Quartos Imperiais

O Psicopata Americano é um romance de horror pornográfico”. Quando Alberto Manguel fez esta descrição do mais célebre romance de Bret Easton Ellis (n. 1964) não estava a pensar em elogios, mas resumiu as poucas qualidades do livro. Quartos Imperiais, sequela (também no sentido clínico do termo) do romance de estreia de Ellis, Menos que Zero, tem pouco horror e pouca pornografia. E é pena porque são os únicos géneros que o autor domina com razoável competência. Quando sai daquilo que é o equivalente literário dos filmes de torture porn (literatura a que chamaríamos snuff), o estilo de Ellis é tão pobre que só pode ser identificado pela obsessão com as marcas e por descrições que condenariam qualquer outro ser humano a escrever panfletos de imobiliárias para o resto da vida (“Decorado em estilo minimal, suaves cremes e cinzentos com chão de madeira e iluminação indirecta, tem apenas 400 metros quadrados[...]”, p. 19). Estes defeitos seriam desculpáveis se, em compensação, as personagens, os diálogos e a intriga fossem superlativos. É o mínimo que se pode exigir a um escritor que afirma não se preocupar com a Literatura.

 

O regresso às personagens do primeiro romance empresta às páginas iniciais um tom de revivalismo metaliterário. Regressam Clay, que continua a ser o narrador, a ex-namorada Blair, o traficante Rip Millar e o prostituto Julian Wells: a geração de 80 transportada para o século XXI. Clay é agora um argumentista de relativo sucesso que se envolve com uma rapariga que tem o sonho de ser actriz, mas nenhum do talento necessário para tal. Esta é a ponta de um novelo que, atabalhoadamente, acaba por envolver todas as figuras do passado de Clay. Ellis tinha matéria para uma elegia crepuscular por um tempo que passou, mas é melhor a nomear esse sentimento de perda do que a demonstrá-lo: “Tristeza: está por toda a parte.” (p. 22). À excepção dos sinais de decadência física e dessa tristeza por demonstrar, as personagens mantêm os mesmos hábitos de há 25 anos: festas, sexo, drogas e bebida. A única diferença é que o fazem enquanto recebem mensagens de telemóvel, trocam e-mails e tomam viagra. O leitor pode perguntar-se se a introdução de complexidade em vidas que são, na essência, superficiais não será uma intromissão abusiva do romancista. Acontece que essa é precisamente a função do escritor: escavar sob a superfície. Acontece também que os romances de Ellis são tão superficiais e vazios como as personagens que os habitam. Há sexo mas não há verdadeiro desejo, como se as personagens fossem autómatos com genitália; há violência gráfica, mas é sempre gratuita e desprovida de qualquer contexo emocional. É uma violência brutal e desumanizada, como na cena em que Clay abusa sexualmente de dois jovens.

 

A tradução portuguesa também não ajuda o autor: “tristeza aditiva” (p. 39) ou “era como se ela estivesse a tentar fazer sentido de mim” (p. 166) servem como exemplos. O melhor que se pode dizer é que, pelo menos, não se estragam dois trabalhos.

publicado por Bruno Vieira Amaral às 22:57
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