A Dama de Espadas

Nem todos os romances aspiram à eternidade. Alguns ficam felizes se aguentarem um par de horas. São os que, no meio de um despretensiosismo simpático, querem apenas entreter. Quando o leitor chega ao final quase que pode ouvir o romancista a agradecer-lhe o tempo que lhe dedicou. É por isso que “crónica” é a palavra mais importante na capa do novo romance do jornalista Mário Zambujal. A escrita tem a leveza malandra da crónica (“Se bem que peito de mulher nada tenha de indecente. A indecência mora nos sujeitos com vocação para sutiãs” ou “a tua cachaça é como o sexo: a melhor é a segunda.”). Tem um elevado teor de boémia, de whisky bebido em ambientes de fumo: redacções de jornais, tascas, bordéis. Mas a crónica, mais do que crónica, é anacrónica. Fala de uma Lisboa desaparecida que, desajeitadamente, Zambujal exuma e traslada para os nossos dias. Se o autor tivesse situado a acção do romance nos anos 60 teria feito um enorme favor à verosimilhança. O namoro inicial é à antiga, a perda da virgindade do protagonista é à antiga, o jornal onde trabalha é à antiga e, de repente, as personagens falam ao telemóvel e já é proibido fumar em recintos fechados. O tom divertido e de um sentimentalismo marialva também não chega para sustentar um romance sólido. Daí que Dama de Espadas seja quase só acção. Zambujal não perde tempo a envolver o leitor, a criar um ambiente. Exemplo: o primeiro encontro a sós de Filipe e de Eva Teresa, o momento dramático fulcral em que as personagens revelam os seus sentimentos, é despachado numa página. O romancista parece ameaçado pelo prazo de entrega e leva as personagens atrás, sempre com pressa de chegar a algum lado que, neste caso, deve ser o fim do romance. O leitor corre atrás da acção que vai sempre uns metros à frente, como um amante em fuga a fechar os botões das calças. O mistério resolve-se em duas penadas, o que é pena porque o enredo, o esqueleto narrativo, é bom e merecia mais tempo do que o que Zambujal lhe dispensou. É o mesmo que ser dono de um terreno em localização privilegiada e construir aí uma barraca. Chega-se ao fim, depois do putativo clímax, e é como na piada (à antiga) “vai ser tão bom, não foi?”

publicado por Bruno Vieira Amaral às 17:28
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