Da Decadência da Arte de Mentir e Outros Textos

O lugar cimeiro de Mark Twain nas letras americanas deve-se sobretudo aos romances As Aventuras de Tom Sawyer e As Aventuras de Huckleberry Finn, mas para a fama e proveito de que beneficiou em vida muito contribuíram as inúmeras conferências e palestras em que participou. Algumas fazem parte deste pequeno volume e refletem com fidelidade a inteligência, o humor e a capacidade de observação de Twain. O breve discurso sobre o tempo proferido na New England Society é de antologia. A frase inicial, que revela o talento de Twain para a frase curta e lapidar, obteria o primeiro lugar em qualquer campeonato de citações sobre o assunto: “Acredito sinceramente que o Criador faz tudo em Nova Inglaterra excepto o tempo.” Prossegue com um exemplo da modernidade do seu humor: “Não sei quem o faz, mas estou convencido de que devem ser aprendizes inexperientes da fábrica do tempo que vão para Nova Inglaterra realizar experiências e aprender o ofício em troca de cama, mesa e roupa lavada e que depois são promovidos e fazem o tempo para países exigentes que, se o produto não lhes agradar, vão encomendar a outro sítio.” A conclusão arrebatada demonstra a amplitude da pena de Twain, que vai da ironia ao lirismo em pouco espaço e aparentemente sem esforço. Já A História do Vendedor Ambulante é uma incursão hiperbólica no domínio do absurdo, mas que, mesmo assim, capta e caricatura os traços essenciais da personagem, um impensável vendedor de ecos. A mesma tendência para o absurdo e para o exagero, provavelmente partindo da experiência pessoal de Twain, verifica-se no texto que abre o livro, um diálogo de surdos entre um jovem entrevistador e um célebre entrevistado. Da Decadência da Arte de Mentir nem é o melhor dos textos aqui incluídos, mas é certamente o que tem o título mais sonoro. Não se espere uma defesa desenfreada e satânica da mentira. O discurso não é mais do que um elogio da mentira cortês e conveniente, “uma arte doce e adorável” que “devia ser cultivada.” A mentira de que Twain fala não é a mentira bíblica, mas a mentira suave e educada que, ao contrário da “verdade cruel”, possibilita e dulcifica a vida social. William Hazlitt e Baldassare Castiglione subscreveriam este pequeno tratado contra os excessos da sinceridade nas relações sociais. O texto em que a articulação entre arte narrativa e crítica social é mais harmoniosa é A Grande Revolução em Pitcairn, sátira a uma sociedade utópica, à demagogia dos iluminados e aos excessos da burocracia. Notas sobre Paris, que conclui o livro, brinca jovialmente com o pedantismo dos franceses, característica que basta para fazer de uma crónica qualquer um marco literário.  

publicado por Bruno Vieira Amaral às 09:47
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