Um Encontro

A componente ensaística dos romances do escritor checo Milan Kundera é uma das suas imagens de marca. Dentro de cada romance é possível encontrar pedaços de ensaios sobre história, filosofia, música e literatura. Kundera sempre teve mais a dizer do que aquilo que é esperado de uma ficção convencional. A veia de ensaísta expressou-se de forma cabal em A Arte do Romance, publicado em 1984, uma reflexão sobre a história e as possibilidades do romance. Neste Um Encontro, conjunto de ensaios sobre os seus temas de sempre, Kundera também reflecte sobre a arte do romance. Numa carta publicada no Los Angeles Times, em 1998, e dedicada ao aniversariante Carlos Fuentes, o romancista checo expõe, em poucas linhas, a sua crença na arte do romance enquanto modelo narrativo, salientando que a evolução do romance “pós-proustiano” teve dois epicentros: um, durante os anos vinte e trinta, na Europa Central (Kafka, Musil, Broch); outro, dos anos cinquenta aos setenta, na América Latina (Rulfo, Carpentier, Vargas Llosa, García Márquez). Esta constatação simples significa que o romance, ao contrário do que defendiam as teorias vanguardistas, não esgotara as suas possibilidades e não estava definitivamente ultrapassado. A evolução do romance passava por outras latitudes, por sociedades noutras fases de desenvolvimento histórico, por países que conheciam situações políticas muito distintas das do eixo Paris-Nova Iorque. No entanto, esta reinvenção do romance também teve o seu auge e confrontou-se com os seus limites. É essa a conclusão do curto ensaio O Romance e a Procriação, no qual Kundera aponta a coincidência de os protagonistas dos grandes romances não terem filhos (Pantagruel, Dom Quixote, Tom Jones, Werther) e estabelece uma comparação com esse festival de procriação que é Cem Anos de Solidão: “o centro de atenção já não é um indivíduo, mas uma sucessão de indivíduos.” Para Kundera, “este romance, que é uma apoteose da arte do romance, é ao mesmo tempo um adeus à era do romance.”

 

Os ensaios sobre romances (Dostoievski, Céline, Philip Roth, Juan Goytisolo) são meros pretextos para que o escritor reflicta sobre temas recorrentes na sua própria obra: o riso, o envelhecimento, o erotismo, a memória, o exílio. Esse é o ponto mais interessante destes ensaios, porque se trata de um diálogo entre criadores, e não de uma leitura exclusivamente teórica. Algo que também é válido quando Kundera dirige a sua sensibilidade para outras áreas da criação artística (pintura, música e cinema).

publicado por Bruno Vieira Amaral às 23:57
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