Vozes no Escuro

Vozes no Escuro, do escritor portuense Rui Vieira, pretende ser um romance polifónico, mas as várias vozes que narram a história não se diferenciam. É uma polifonia monocórdica, como o resultado do esforço de um mau ventríloquo.

 

Por vontade da mãe, uma jovem de dezassete anos é enviada para um convento. Nos dias que ali passa é visitada pelas vozes das mulheres que, há muitos anos, conheceram o mesmo destino e sofreram as mesmas privações. Enquanto acompanhamos o sofrimento físico e espiritual da jovem, vamos conhecendo os dramas da sua família através da mãe religiosa, da avó moribunda, da tia louca e do pai afogado.

 

O romance vegeta nos lugares-comuns da condição feminina: sexualidade reprimida, prazeres proibidos e conventos. Rui Vieira não permite que nos esqueçamos do assunto: “já era mulher”, “eu ainda não mulher”, “com inveja de não sermos mulheres”, “queria ser mulher”, até ao definitivo “vou ser mulher”.

 

A prosa poética de Rui Vieira abusa dos mesmos substantivos (muitas pedras, cinzas, águas, neblinas, sombras e névoas), repete motivos em busca de uma cadência que nunca chega a atingir (o sorriso do pai na fotografia, a tia louca que embala uma boneca de pano), perpetra imagens francamente assustadoras (“o olhar terno dos pássaros”), aliterações inúteis (“no catre do quadro no corredor para o Cadeiral”) e redundâncias assassinas (“cozinheiros fritam em frigideiras”). Quando incorre no sexo vai do abjecto (“cheiro a carne apodrecida”, “a podridão da carne”, “conheci a putrefacção da carne”) à floricultura (seios que se tornam flores e sexos que se abrem como um botão de flor), sem falhar os transes místicos inspirados em Santa Teresa de Ávila (“um sonho em que o meu Senhor é carne”).

 

Rui Vieira procura cauções exteriores na divisão da estrutura em quatro partes (os quatro elementos), em abundantes passagens bíblicas e em citações do livro Cartas Portuguesas. Fica a ideia de que são enxertos desnecessários que não dialogam com o livro e que têm o efeito perverso de evidenciar a pobreza da matéria-prima. A nota final, em que o autor se justifica, era dispensável, qualidade que partilha com o resto da obra.

publicado por Bruno Vieira Amaral às 18:49
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