A Beleza e a Tristeza

O mistério da criação artística, a resistência do amor ao sofrimento, o tédio do casamento, o veneno do ciúme que instila o desejo de vingança, a sedução como punhal – em A Beleza e a Tristeza [1965], Yasunary Kawabata (1899-1972), acede aos recessos violentos das relações sentimentais com uma elegância melancólica. Numa história trágica e de potencial melodramático, ressalta a moderação de um narrador que nunca procura o efeito da emoção fácil.

 

As três personagens centrais são o escritor Oki, a pintora Otoko e a discípula desta, Keiko. Os três formam um triângulo amoroso que, na verdade, é um pentágono que inclui Fumiko, a mulher de Oki, e Taichiro, o filho. Muitos anos depois de uma relação conturbada, quando Otoko ainda era adolescente e Oki já era casado, os dois reencontram-se. Oki ainda vive com a mulher e a sua fama de escritor deve-se quase em exclusivo a um romance inspirado na relação com Otoko. Esta é uma pintora reconhecida e vive com a sua protegida. A possessiva Keiko, conhecedora da história entre a amante e o escritor, alimenta planos de vingança. Com tantos ingredientes folhetinescos seria de esperar um drama de faca-e-alguidar, operático e excessivo. Kawabata, porém, nunca segue esse caminho. Opta por uma abordagem intimista, que releva as tensões interiores e os sofrimentos silenciados em detrimento da violência das acções. O melhor exemplo desta forma de narrar é a elipse com a qual Kawabata oculta os acontecimentos trágicos em que o romance culmina. Mas também a relação entre Otoko e Keiko é um prodígio de sugestão psicológica e sexual. Keiko é menos uma amante do que um duplo, o inconsciente da sua protectora. Contra todas as expectativas, o amor de Otoko por Oki permanecera intacto. É a dor das sucessivas separações (a morte do filho e da mãe, o fim da relação com o escritor) que a empurra para os braços de Keiko, para uma forma narcisista de amor. A nostalgia da felicidade perdida contrasta com a ferocidade latente de Keiko, expressa através de palavras e dos seus quadros. Mesmo conhecendo a vocação trágica da discípula, Otoko não se esforça o suficiente para a controlar, como se, no fundo do amor, a centelha de vingança não se tivesse apagado.

 

A capacidade de Kawabata de sugerir as motivações e os estados mentais das personagens sem ser intrusivo ou didáctico faz de A Beleza e a Tristeza uma gema artística superiormente lapidada.

publicado por Bruno Vieira Amaral às 17:41
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