A Livraria
Para o leitor que queira saber mais sobre a verdadeira natureza do humor britânico, aconselha-se a leitura deste pequeno romance de Penelope Fitzgerald, finalista do Booker Prize de 1978. O humor não é servido em doses abundantes, e essa é a razão da sua eficácia e a primeira prova da sua origem distintamente britânica. Também não é um humor que se queira desesperadamente fazer notar – é essa a razão da sua imponência e a segunda prova da sua origem. Finalmente, é um humor miniaturista, de observação social plácida mas contundente, avessa à caricatura e ao grotesco, mas sempre atenta às particularidades dos outros – por isso estabelece uma afável cumplicidade com os leitores. Tudo isto é muito mais notável porque A Livraria não é um romance que se possa catalogar como humorístico. Inicialmente, a história parece seguir em sentido único rumo à banhada delicodoce.
Contra todas as indicações do bom senso e do gerente do banco, uma viúva de meia-idade, Florence Green, decide abrir uma livraria numa pequena vila do leste de Inglaterra. É um ponto de partida aterrador que faz prever uma fantasia de bibliotecária cinquentona com declarações balofas de amor aos livros. Mas Fitzgerald é rápida a trocar-nos as voltas. A protagonista, apesar da teimosia ingénua e de uma fraca preparação contabilística, é mais uma diletante (a “fraqueza por coisas belas”) à procura de ocupar o tempo do que uma fanática dos livros pronta a evangelizar a população ignara. A atitude corajosa de abrir uma livraria serve apenas para revelar a força dos atavismos sociais. Em contrapartida, Fitzgerald não oferece nada que se pareça com uma redenção pelo poder esclarecedor dos livros. Enquanto narra a ascensão e declínio de um sonho difuso, Fitzgerald diverte-nos com a sagacidade das suas observações, os seus remoques desapaixonados mas extraordinariamente certeiros a captar peculiaridades das personagens tornadas ridículas pela sua excessiva pompa. Eis alguns exemplos: “O seu marido, o General, abria gavetas e armários com o objectivo de não encontrar nada, tendo assim uma desculpa para vaguear de divisão em divisão”, “Mrs. Keble acrescentou que estaria de volta dali a meia hora. Achava sempre que as coisas demoravam cerca de meia hora” ou este exemplo acabado de humor fleumático “A meia-idade serôdia, para a classe média-alta de East Suffolk, marcava uma crise após a qual a maioria se tornava aguarelista e pintava paisagens. Não teria tanta importância se pintassem mal, mas todos o faziam bastante bem.” Entre a melancolia agreste da paisagem e o calor vivo da inteligência da escrita, entre a solidão da protagonista e a proximidade amigável da voz que narra a história, A Livraria é um pequeno guia sobre o humor, que é como quem diz o espírito (e há mesmo um espírito no romance), britânico.