Um Homem Singular

Comecemos pelo título, Um Homem Singular (A Single Man, no original). O homem é George, um professor de 58 anos a recuperar da morte do companheiro. É, portanto, um homem só, depois de anos de uma vida partilhada com outra pessoa. É um homem solteiro, a meio caminho entre as recordações dolorosas e as oportunidades do presente. É, por fim, um homem singular a redescobrir a individualidade e aquilo que o torna único entre tanta gente: a gente que o rodeia nas filas de trânsito, no supermercado, na universidade. Como sobressair no meio de vizinhos e alunos? Como encontrar o verdadeiro eu quando todos os dias é preciso desempenhar papéis tão diferentes como o do professor, o amigo ou o conhecido que cumpre sem emoção o dever de visitar alguém no hospital? Quem é George, agora que a pessoa mais importante da sua vida desapareceu? Quem é George, agora que a rotina e as certezas se desfizeram, abrindo um abismo à sua frente? Para os vizinhos, George é esquisito. Para os alunos, é muito traiçoeiro. Ele próprio sente-se um estranho. Mas George é também a ficha que o identifica no parque de estacionamento, é a marioneta que diz “Bom Dia” de forma categórica, um “Bom Dia” mais religioso do que mecânico e que é, em si, a reafirmação de uma fé, a expressão do optimismo espiritual da América. E, no entanto, George é outra coisa que está para além da impessoalidade das relações e dos gestos rituais. Dentro do grande aquário, George é um peixe diferente, o único que tem consciência dos limites do aquário. É, por isso, significativo que o momento culminante do romance seja um mergulho nocturno no oceano, na companhia de um aluno. O momento em que a relação deixa de ser simbólica e passa a ser real; o momento em que George é George, em que “lava o pensamento, as palavras, a disposição, o desejo, todo o seu íntimo, vidas inteiras; regressa de novo, cada vez mais limpo, mais livre, mais novo.” (p. 139)

 

Publicado em 1964, o romance de Christopher Isherwood (1904-1986) é uma celebração do “aqui e agora”, mesmo quando se sabe que o presente só dura um instante. A exaltação da beleza física – símbolo do efémero – é o motivo recorrente que prepara o caminho para a grande comunhão aquática. Um Homem Singular é uma recusa elegante da nostalgia, um manifesto sóbrio contra os efeitos alienantes do sofrimento. Um livro sábio e belo, uma composição de um júbilo triste.

publicado por Bruno Vieira Amaral às 15:01
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