Cordilheira

A badana do livro, fonte sempre fiável, assegura-nos que Daniel Galera é “considerado o melhor escritor brasileiro da sua geração”. O melhor elogio que se pode fazer é que o terceiro romance do escritor gaúcho não desmente a badana. Cordilheira é um livro de um escritor maduro, sem o espalhafato verbal com que se impõem muitos dos novos valores e sem a colagem a patronos literários que facilita a entrada na primeira divisão das letras. Aqui de nada servem os baptismos fáceis, “Guimarães Rosa de Porto Alegre” ou “Machado de Assis do século 21”. Galera é o seu próprio padrinho.

 

A história é narrada por Anita van der Goltz Vianna, uma jovem escritora a quem o sucesso do primeiro livro perturba mais do que motiva. O seu grande objectivo é mais doméstico: ser mãe. Mas o entusiasmo de Anita não contagia Danilo, o namorado, que pensa que ela faria melhor em investir na carreira literária. Perante a recusa de Danilo de a acompanhar no seu projecto egoísta e após o suicídio de uma amiga, Anita aproveita o lançamento do seu romance em Buenos Aires para deixar tudo para trás e perseguir o seu desejo: “Eu desejava o mais próximo que poderia haver de uma concepção milagrosa”. Anita sai do Brasil e mergulha na ficção, decidida a controlar os acontecimentos em vez de lhes atribuir um sentido a posteriori. Embora não tão arrojada, é uma ideia semelhante à de José Holden, o homem com quem se envolve. Holden e os seus amigos não se contentam com escrever livros, assumem a vida das suas personagens até às últimas consequências.

 

Enquanto nos diverte com alguns passos metaliterários (a Carnicería Cortázar, a tasca La Catedral), Daniel Galera não faz do estilo um traje carnavalesco. A sua prosa é clássica sem ser barroca e actual sem ser “moderninha”. Consegue imagens que não podiam ser de outro tempo (“[...] seu piscar azulado transformou a sombria alameda Chile num ambiente de rave evacuado.”) e guarda a melhor mão para momentos-chave: a descrição rigorosa de um ataque de pânico ou uma cena de sexo com as palavras certas no sítio certo. Mesmo quem não aprecia consagrações de badana não poderá negar que o século XXI já tem o seu Daniel Galera.

publicado por Bruno Vieira Amaral às 18:47
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