Unha com Carne

Há uma frase no filme Chinatown que ajuda a perceber o consenso da crítica em relação a Elmore Leonard, basta que lhe acrescentemos os escritores: “Políticos, prédios feios e prostitutas tornam-se respeitáveis se duram muito.” Longevidade, despretensiosismo e adaptações cinematográficas por realizadores como Soderbergh e Tarantino transformaram Leonard em autor de culto: nem suficientemente bom para estar ao lado dos grandes, nem tão mau para ser atirado para o caixote do lixo. Aos oitenta e quatro anos, Leonard continua a escrever como sempre escreveu (um estilo expurgado de ornamentos), dentro do género que o popularizou (escrevia westerns mas quando o negócio passou de moda dedicou-se aos thrillers policiais) e até se dá ao luxo de recuperar personagens de outros romances, que é o que acontece neste Unha Com Carne, como se convidasse velhos amigos para uma grande festa. Jack Foley, o assaltante de bancos de Out of Sight, Cundo Rey, o criminoso cubano de LaBrava e a vidente Dawn Navarro, de Riding the Rap, são figuras resgatadas para este romance de amizades interessadas, traições e reviravoltas.

 

Não é difícil imaginar uma futura adaptação para cinema, mas a ligação entre a sétima arte e os livros de Leonard é duplamente parasitária. Se o cinema se tem alimentado da obra de Leonard, o próprio autor não dispensa os nutrientes do cinema. O que se vê não apenas na estrutura que facilita a adaptação (narrativa linear, capítulos curtos, muitos e bons diálogos, nada de descrições e psicologia), mas também nas personagens que citam Scarface ou Os Três Dias do Condor e que podem ser ex-vedetas e produtores de cinema, assaltantes de bancos e o lumpen do show-biz: strippers, videntes e partenaires de mágicos.

 

Tantas vezes louvado pelo realismo de diálogos e personagens, em Unha com Carne Elmore Leonard monta, uma vez mais, um jogo de espelhos em que a realidade se parece despudoradamente com a ficção. Se o leitor chegar ao fim a pensar “isto é como nos filmes” é porque os romances de Leonard devem mais aos códigos do policial (literário e cinematográfico) do que a qualquer forma de realismo. Os policiais são mesmo assim, como nos filmes.

publicado por Bruno Vieira Amaral às 17:20
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