A Arte e o Modo de Abordar o seu Chefe de Serviço para lhe Pedir um Aumento

Imagine uma frase na qual só é permitido utilizar uma vogal (univocalismo) ou duas vogais (bivocalismo). Imagine uma frase em que nenhuma letra se repete (heterograma). Por fim, imagine um romance em que a letra E não aparece uma única vez. A estas regras, mais próximas da matemática e das revistas de charadas do que da literatura, os membros da OuLiPo chamavam constrangimentos. O grupo incluía escritores como Ítalo Calvino, Raymond Queneau e Georges Perec (1936 – 1982), autor de La Disparition - o famoso romance sem a letra E - e também deste exercício, A Arte e o Modo de Abordar o Seu Chefe de Serviço para lhe Pedir Um Aumento. Neste caso, o constrangimento é um organigrama (apresentado no início do livro) que contém todas as variáveis da abordagem a um chefe. O objectivo de Perec era o de transpor esse organigrama para um texto linear, sem abdicar de um idêntico rigor formal. Para tanto, prescindiu da pontuação e reduziu as personagens a símbolos de uma equação (X, Y, W). A tensão humana expectável numa situação semelhante à descrita no título não existe. Tudo o que há no texto para ser admirado está na forma, na lógica binária e labiríntica (a estrutura do organigrama assemelha-se à de um labirinto) e só não podia ter sido escrito por um computador porque Perec sabota a arquitectura formal inserindo “bugs” de humanidade: Mmlle. Y é Mmle. Yollande e a empresa que, no início, é descrita de forma neutra (“a organização onde trabalha”) passa a ser mostrada em tons sarcásticos (“organização que o explora” ou “organização da qual não é um dos elementos mais brilhantes”). É apenas nestes momentos que o texto se humaniza e passa a ser mais do que um exercício lúdico. O resultado final é, no entanto, uma espécie de para-literatura, misto de charada, matemática e escapismo. O constrangimento - que mais do que um ponto de partida é o verdadeiro tema desta obra - é um colete-de-forças que o escritor se auto-impõe com o intuito de impressionar o leitor com o engenho técnico necessário à fuga. O autor pode sair ileso, mas a literatura é prensada até adquirir a forma de um problema de palavras cruzadas: quadrado e impessoal.

publicado por Bruno Vieira Amaral às 17:27
link do post