Pecados e Seduções

Em Abril de 1968, a revista Time falava de uma “sociedade adúltera”. Na capa, uma imagem de John Updike (1932-2009). O pretexto, a publicação do romance Couples, um tratado sobre adultério nos subúrbios. Em Pecados e Seduções, de 2004, Updike regressou ao local do crime - um local de onde nunca saiu completamente – para o tingir de cores fúnebres e do inevitável conservadorismo da velhice. Owen Mackenzie tem setenta anos e vive com a segunda mulher, Julia, cinco anos mais nova. Recorda a infância, o primeiro casamento e as consecutivas traições que o marcaram. O homem envelhecido observa o adúltero compulsivo. Este vivia numa época em que a noção de pecado estava desfeita. O adultério já não era a ignomínia da América puritana de A Letra Escarlate, de Nathaniel Hawthorne, era a argamassa de transgressão tolerada que sustentava todo o edifício da comunidade. A dada altura, impera a ideia que os subúrbios não são a colmeia que acolhe milhares de abelhas insensíveis à infelicidade, mas um sistema montado com o fim de promover o adultério com o mínimo de culpa, a forma de beneficiar da respeitabilidade social e, ao mesmo tempo, não perder as vantagens da revolução sexual. O que os relvados e as cercas brancas eram para o urbanismo, o adultério era para a paisagem sentimental dos subúrbios: a marca definidora de um estilo de vida. Com a aproximação da morte, Owen redescobre os valores sólidos da América (família, comunidade, religião). O medo torna-o conservador: “Mas o progresso é triste, a mudança é triste, a selecção natural é muito triste.” (p. 292).

 

Pecados e Seduções não podia ser mais androcêntrico. Embora narrado na terceira pessoa, o ponto de vista é o de Owen ou, para ser exacto, da sua glande. As suas conquistas distinguem-se umas das outras pela orografia ginecológica e pelos apetites sexuais, como se Faye, Alissa, Stacey, Antoinette, fossem uma única mulher, a outra, desprovida de substância. Se as mulheres são satélites, os filhos são partículas de pó suspensas no ar, quase invisíveis. Só o homem, o Rei-Falo, interessa. Mas o vigor da juventude vai-se extinguindo e com ele a auto-suficiência, o egoísmo. Os subúrbios, outrora biombos que ocultavam a inquietação sexual, transformam-se em antecâmaras da morte, asilos de serenidade.

 

Melhor do que qualquer outro escritor da sua geração, Updike dissecou o ciclo de vida da classe média do pós-guerra: do adultério como distracção do vazio à reconciliação espiritual, que é como quem diz, o caminho que vai do sexo à morte.

 

 

publicado por Bruno Vieira Amaral às 17:29
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