Segunda-feira, 27 De Setembro,2010

Biografia José Saramago

Esta biografia de José Saramago, da autoria do investigador João Marques Lopes, é a prova da difícil relação dos portugueses com o género. Trata-se do percurso invulgar do único prémio Nobel da literatura de língua portuguesa e de um homem polémico que ainda não perdeu a capacidade de provocar reacções epidérmicas aos adversários de sempre: a direita e a Igreja Católica. No entanto, se compararmos esta biografia com as de outros nobelizados, como Gabriel García Márquez e V.S. Naipaul, não podemos deixar de sentir a falta de ambição e de talento para nos dar um retrato mais completo e complexo não só do homem e do escritor, mas também da sua época. É verdade que nem todos podem ser Ruy Castro, cujas biografias são muito provavelmente o expoente máximo do género em língua portuguesa. O que não desculpa a linguagem burocrática e, pontualmente, hermética de Marques Lopes, que confunde o rigor da investigação com uma prosa em rigor mortis. A função do biógrafo é de transportar o leitor para a vida do biografado e não para os arquivos e bibliotecas onde fez a pesquisa, por muito meritória que esta seja. Uma das opções mais questionáveis é a ausência de entrevistas. A base da investigação é exclusivamente documental, o que não se compreende, tendo em conta que alguns dos protagonistas dos episódios mais polémicos da vida de Saramago poderiam oferecer testemunhos relevantes. Seria interessante ouvir o desaparecido Sousa Lara ou Maria Lúcia Lepecki, membro do júri do prémio da APE que elegeu O Evangelho Segundo Jesus Cristo, que votou por uma obra de que ninguém se lembra. Em relação a outras polémicas, Marques Lopes suaviza a participação de Saramago no saneamento de jornalistas do DN durante o PREC, menospreza a crítica literária quando esta não é simpática com Saramago, atribuindo-lhe motivações ideológicas, e eleva o escritor à condição em que o próprio gosta de se rever: a de profeta-mor dos desempregados morais do comunismo. As afinidades ideológicas entre biografado e autor são óbvias e, até por esse motivo, este será o primeiro a reconhecer que a biografia paroquial que escreveu não honra a dimensão universal de Saramago.

 

publicado por Bruno Vieira Amaral às 18:45
link do post

Caim

O Deus do Antigo Testamento não é muito simpático. Não é preciso ser exegeta para o saber. Basta ver os “highlights”. E eles estão todos, ou quase, no último romance de José Saramago. A expulsão do Éden, a torre de Babel, o sacrifício de Isaac, o bezerro de ouro, Sodoma e Gomorra, a queda das muralhas de Jericó, o suplício de Job. A escolha não é fortuita. A intenção é denunciar o carácter vingativo e arbitrário de um Deus egoísta e que não admite concorrência. No negócio da adoração o segredo é ter o monopólio. Em oposição a este Deus tirânico temos, no canto vermelho, Caim, o primeiro homicida da história. Condenado a errar pelo mundo e pelo tempo (graças a Deus e ao não menos omnipotente narrador), Caim testemunha vários episódios do Antigo Testamento, cada vez mais revoltado com os desmandos do Senhor. O trajecto de Caim é a confirmação de que o Homem é dotado de um “inato sentido moral da existência” independente dos mandamentos de qualquer divindade.

 

Depois do consenso que recebeu A Viagem do Elefante, Saramago quis fazer polémica. Saiu-lhe uma aula de catequese às avessas, uma releitura do original com algum humor pelo meio (o leitor ficará a saber como é que o unicórnio perdeu a boleia na Arca de Noé). A prosa não traz novidades: Saramago encontrou a sua voz muitos livros atrás. Enquanto alegoria universalista, uma especialidade do autor, “Caim” também nada acrescenta. É, acima de tudo, a história do conhecido desentendimento de Saramago com Deus. Um assunto que talvez se resolva quando o escritor abdicar das vestes de profeta menor de um Deus em que não acredita.

publicado por Bruno Vieira Amaral às 01:10
link do post

mais sobre mim

pesquisar

 

Março 2013

D
S
T
Q
Q
S
S
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31

tags

todas as tags

blogs SAPO


Universidade de Aveiro