Pan

Para efeitos de análise literária, as simpatias nazis de Knut Hamsun, prémio Nobel em 1920, só têm interesse na medida em que podemos detectar correspondências estéticas entre este romance, Pan, e a corrente do Blut und Boden (o sangue e a terra), promovida a estética oficial do Nazismo. A apologia dos valores da vida rural e da harmonia com a natureza fazem parte da história do Tenente Thomas Glahn, contada pelo próprios nos seus diários, onde recorda um Verão passado numa casa isolada no bosque e a paixão violenta pela jovem Edwarda. Na companhia do seu cão, Esopo, Glahn caça para comer e passa os dias a contemplar a natureza e a meditar. A harmonia com o meio é total: “Tudo parece ligar-se ao meu próprio ser” (p. 26) e “A minha única amiga era a floresta e a sua grande solidão.” (p. 33). Glahn beija as folhas que encontra no chão e prostra-se em orações panteístas em que agradece pela “noite solitária, pelas montanhas”. A natureza reflecte as emoções humanas (a pedra com “uma expressão triste e desesperada”) e os homens assimilam as características da natureza (os sentimentos são como o Verão, belos, “mas duram apenas um instante”). O clima de comunhão é quebrado pela intromissão de sentimentos voláteis e dos comportamentos infantis das personagens. A mudança é tão brusca que o efeito chega a ser cómico. Atormentado pela paixão, Glahn atira um sapato de Edwarda para o mar, dá um tiro no próprio pé e cospe no ouvido de um rival. O sossego que encontra no bosque, dissipa-se quando é obrigado a conviver com outras pessoas, “cada vez mais incompreensíveis.” (p. 66).

 

A estrutura do romance (os diários e o epílogo com um narrador diferente), mas também o tema e o final trágico, evoca A Paixão do Jovem Werther, de Goethe. À excepção do dispensável epílogo, é dominado pelo intenso subjectivismo do narrador, expresso nos delírios da sua imaginação, na súbita introdução de personagens que surgem como aparições e nas sinestesias pedidas de empréstimo ao Simbolismo (“arrepios dourados” ou “memória luxuriante de um vermelho rosado”). Essa visão parcial dos acontecimentos estimula no leitor uma maior empatia pela atmosfera pagã e pelas descrições bucólicas do que pela características psicológicas das personagens. Entre a inconstância dos seres humanos e a firmeza serena de uma pedra, o romance de Hamsun inclina-se para o afecto mineral.

publicado por Bruno Vieira Amaral às 16:43
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